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Democracia na América Latina é incompatível com modelo neoliberal

Por Ivette Fernández *

Havana (Prensa Latina) Há 40 anos, quando as receitas neoliberais fizeram sua entrada na América do Sul como a suposta solução a todos os problemas econômicos, se dinamitava também a esperança de estabelecer pactos democráticos na região.

Muitos naquele tempo nem imaginaram a explosão que essas políticas acarretariam, mas a pandemia que agora recai sobre o mundo a coloca em evidência de maneira escancarada.

Com a vulnerabilidade e a situação indefesa de milhões de habitantes nesta parte continental, a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) reforça os chamados à construção de uma nova ordem que garanta as necessidades cidadãs indispensáveis e resolva os problemas estruturais do mundo do trabalho.

Com a expansão do coronavírus agindo como catalizador, a Cepal prevê que o número de pessoas em situação de pobreza verá um aumento de 45,4 milhões em 2020; com isso, o total de indivíduos nessa condição passaria de 185,5 milhões em 2019 a 230,9 milhões em 2020, cifra que representa 37,3% de toda a população latino-americana.

O órgão considera imperiosa, para lutar contra a desigualdade imperante, a implementação de um modelo de desenvolvimento aprimorado, e um pacto social e político onde exista uma nova equação entre estado, mercado e sociedade, para conseguir um regime universal de proteção e acesso a bens públicos básicos.

Para a América Latina, trata-se de uma tarefa titânica porque o neoliberalismo não só engordou as arcas daqueles que já eram ricos, mas também buscou maneiras para perpetuar o sistema por diversas vias.

A desigualdade não surge das forças abstratas do mercado, mas nasce da maneira em que se distribui o poder político em uma sociedade, alerta o pesquisador mexicano Jaime Cárdenas em seu livro ‘As características jurídicas do neoliberalismo’.

Considera que padrões idênticos se reproduzem graças às manipulações dos grandes conglomerados de poder, da mesma forma, quando colocam o sistema eleitoral a seu serviço ou controlam os meios de comunicação ou quando conspiram contra o povo nos Congressos Nacionais ou outras instâncias de governo.

A democracia é incompatível com a concentração extrema de renda, e o modelo neoliberal promove essa concentração da riqueza em poucas mãos, conclui.

Diz Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia (2001), que as grandes empresas também, através dos altos custos de acesso ao sistema judicial, impedem que os mais fracos tenham acesso a ele em igualdade de condições que os ricos.

O alerta do economista só tenta chamar a atenção ao fato de que, quando algum estado tenta aprovar leis em benefício dos mais fracos, principalmente no âmbito financeiro, fiscal ou orçamentário, as reações dos mercados financeiros mundiais são desproporcionalmente contrárias.

Por exemplo, as agências de qualificação que avaliam a dívida soberana condenam esse tipo de decisões estabelecendo qualificações muito baixas, ou os estados são pressionados com a ameaça de retirar as divisas investidas no país respectivo ou, no melhor dos casos, são negados empréstimos internacionais ou o país é colocado na lista negra de países inviáveis.

As medidas de pressão que o capitalismo mundial – as transnacionais – podem impor aos países para que se ajustem às políticas neoliberais dos órgãos financeiros internacionais como o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial são enormes, de acordo com a hipótese do analista.

Por isso, segundo os estudos divulgados por Stiglitz, os estados que tentam aprovar leis de proteção aos consumidores ou para limitar os créditos abusivos dos bancos são imediatamente inibidos, ou lhes recomenda que abram mão desses ordenamentos.

Os marcos jurídicos dos estados se constroem então para favorecer os mau chamados grandes interesses econômicos nacionais e mundiais, acima das necessidades e direitos humanos da população.

No modelo neoliberal não pode existir um marco jurídico que favoreça a garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais, porque isso iria contra as possibilidades da concentração de riqueza em poucas mãos, argumentou por sua vez o estudioso Paul Krugman.

Dito desta maneira, a luta pela igualdade cidadã é a todas luzes incompatível com os padrões neoliberais até hoje implementados na região.

Mas, segundo a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena, a região enfrenta uma encruzilhada civilizatória em que é preciso fortalecer o movimento trabalhista e os sindicatos.

Ainda que se trate de um modelo de raízes profundas, a funcionária pública estimou que, considerando o sofrimento que a região atravessa, o estilo de desenvolvimento dominante é insustentável e se torna urgente uma transformação profunda.

«Estamos atravessando uma mudança de época, com profundas mudanças tectônicas que a humanidade não pode absorver em sua totalidade», afirmou.

arb/acl/ifs/jp

*Jornalista da Redação de Economia da Prensa Latina

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